Vida que segue.

Hoje faz um ano que eu acredito ter experimentado o que seja a morte. Não tive coragem, antes, de escrever sobre isso. Hoje vou tentar.
Tudo começou com a descoberta de que tinha pedras na vesícula e com o início das crises. Em meados de junho, já perto do final do semestre letivo, tive uma delas. Fui internada no hospital aqui da cidade pequena onde trabalho e onde vivia então.
O médico que se responsabilizou pelo meu caso era das antigas, e entre os remédios que prescreveu, estava um antibiótico também das antigas: quemicetina. A indicação era a de que fosse por via oral.
Fiquei uns dias no hospital, tomando os remédios, tomando soro, e esperando a crise passar.
No dia 26 de junho, às 4 da manhã, entrou no quarto a enfermeira, muito jovem, com a costumeira medicação da madrugada.
Tomei todos os comprimidos que ela me deu e em seguida ela disse que tinha de aplicar uma outra medicação na veia. A gente estranhou, mas ela garantiu que era a medicação normal que eu vinha tomando. No momento em que ela começou a injetar a droga, senti que perdia o controle dos meus olhos. Imediatamente disse a ela que parasse, pois eu estava passando mal. Daí em diante, perdi a consciência.
Carmem, que me acompanhava, disse que fiquei muito branca, com os lábios roxos. Não sabemos quanto tempo se passou. O médico de plantão foi chamado, minha pressão foi tirada, minha glicose foi medida.
Aos poucos fui recobrando a consciência, mas não o controle do meu corpo. Tentava abrir os olhos e não conseguia, tentava mexer os braços e pernas e nada se movia. Tentava falar e também não era possível. Cheguei a pensar que tivesse tido um problema grave e estivesse condenada a ficar para sempre lúcida e aprisionada no meu corpo.
Foi de longe a pior sensação da minha vida.
Houve finalmente um momento em que consegui recuperar a mim mesma. Foi como se eu tivesse ficado muito tempo debaixo d'água e finalmente viesse à tona. Em pânico total.
O plantonista, quando viu que eu estava voltando a mim, foi-se embora do quarto.
Eu não me lembrava por que estava num hospital. Aos poucos fui me lembrando dos dias anteriores. Depois percebi que durante o choque tinha perdido momentaneamente o controle da minha bexiga.
Mais um pouco e eu já estava quase normal de novo.
Ninguém me explicou nada. Só quando finalmente o meu médico chegou, às 8 da manhã, é que eu soube: o choque fora causado pela quemicetina que, ao contrário do que tinha sido prescrito por ele, foi administrada pela veia e não por via oral. Descobri depois que, quando necessário aplicar essa droga por via venosa, é preciso ter muito cuidado, para justamente não causar o tipo de choque que eu tive.
Naquele mesmo dia, tive alta. As consequências desse erro do hospital? Nada. Talvez alguém tenha sido demitido, mas nunca soube. Me ofereceram um café e me mandaram para casa.
Tenho a certeza de que agora, depois dessa experiência, já tenho alguma ideia do que seja morrer. E não é um conhecimento agradável.

Comentários

  1. Ainda bem que tudo passou, amiga! Infelizmente estes erros são comuns do que a gente imagina. Mas agora que você já conseguiu escrever, bora esquecer? >-)

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  2. Bora esquecer mesmo... Escrevi pra exorcizar!Obrigada, viu?

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  3. Ufa! Bom mesmo que passou e só foi um susto! Como a Marcie disse, estes erros são mais comuns do que a gente imagina.Ano passado minha mãe ficou 3 dias no hospital e quase aplicaram insulina nela, mas ela não é diabética!
    Bjs

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  4. Tenho lembranças terríveis do Regional- A...

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  5. Poxa! Perdemos uma tia por negligência hospitalar (Tudo leva a crer que foi isso.)Mas...Não se conseguiu provar nada!
    Ainda bem que já passou, né, Ana?

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  6. Que horror isso Ana! Se você conseguiu escrever já é um passo para aceitar e esquecer. Bjo vizinha!!

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  7. Ana, que coisa! Não sei dizer ainda o que acho a respeito... acho importante passar por cima e continuar em frente, mas fico imaginando que esta pessoa despreparada que cometeu o erro com você pode estar por aí, ainda, cometendo outros erros com outras pessoas. Sei lá. Enfim, é sempre bom por para fora. Bjs!

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