Cecília e eu - parte 1

Decidi começar a contar aqui a longa história que me liga à obra de Cecília Meireles e - por que não? - até mesmo à pessoa da poetisa, embora eu nunca a tenha conhecido pessoalmente. Terei de escrever vários posts para isso, pois tudo começou há 37 anos. E não acabou ainda...
Em 1976, eu era uma adolescente típica, cheia de crises, sem ainda ter sequer escolhido a carreira que gostaria de seguir, mesmo estando já no penúltimo ano daquilo que chamávamos de colegial.
Gostava de música, gostava de literatura e foi assim que um dia, tendo ouvido falar que a letra de "Os inconfidentes", de Chico Buarque, fora tirada de um poema de Cecília Meireles, fui à biblioteca da escola para encontrar a  fonte.
Conhecia Cecília dos poemas infantis, das crônicas que apareciam nos livros didáticos. Mas nem sequer sabia que ela tinha um livro chamado Romanceiro da Inconfidência. Por isso, pedi à bibliotecária a Obra poética de Cecília Meireles, pensando que não seria difícil encontrar a origem da canção de Chico Buarque.
Lembro-me bem: era a edição de 1967 da Editora Aguilar, volume que tinha sido feito num formato um pouco menor que o habitual. Era quase um livro de bolso.
Por ser uma edição mais cara, não podia ser emprestado. Eu teria de ler ali na biblioteca. E assim comecei a folhear o volume, lendo rapidamente os poemas. Reencontrei "Retrato", que conhecia mas não me lembrava que era de sua autoria: "Eu não tinha este rosto de hoje / assim calmo, assim triste, assim magro".
E segui lendo, até que um poema chamado "A última cantiga" praticamente me atropelou, quando cheguei na penúltima estrofe, que dizia "Ainda que sendo tarde e em vão, / perguntarei por que motivo / tudo quanto eu quis de mais vivo / tinha por cima escrito: 'Não'." Pronto, tive a exata sensação de que minha vida, até ali, tinha sido resumida em quatro versos!
De repente, tudo o que eu queria ler era a poesia de Cecília. E o livro não podia sair da biblioteca da escola! Passei todos os intervalos e aulas vagas, no resto daquele ano, ali na biblioteca, lendo e copiando poemas, até que o ano acabou e as férias chegaram, fechando a biblioteca.
Não havia livrarias na cidade, mas descobri que a biblioteca municipal tinha livros de e sobre Cecília, que podiam inclusive ser retirados! Foi a minha salvação. Passei as férias na biblioteca e em casa, lendo e copiando poemas num caderno.
Foi nessa altura que decidi que queria fazer Letras, para poder estudar mais aquela autora e aquela obra. Tinha a sensação de ter encontrado alguém que havia escrito tudo aquilo que eu um dia gostaria de ter dito.
No ano seguinte, enquanto seguia lendo Cecília e tentando comprar livros dela, inscrevi-me no vestibular para cursar Letras na Unicamp.
Mas o final daquele ano de 1977 me reservaria ainda algumas surpresas.

Comentários

  1. Acompanhando desde o primeiro capítulo. ;)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Infalível, né? Ainda mais em se tratando de Cecília!

      Excluir
  2. Continuaaaa.....
    Mariana Carvalho Gomes

    ResponderExcluir
  3. Excelente "iniciativa".
    Acho que a vida de alguns estudantes de Letras (dentre outros cursos) começou assim: nos corredores de uma biblioteca, nas leituras curiosamente curiosas.
    Estou aguardando a continuação ansiosamente.

    ResponderExcluir
  4. Já comprei a poltrona pra ler a história!
    Imaginauta :)

    ResponderExcluir
  5. Muito bom !
    http://geandretta.worpress.com

    ResponderExcluir
  6. aguardando ansiosamente o próximo capítulo.

    ResponderExcluir
  7. Senta que lá vem história das boas! Tô no banquinho!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pega uma poltrona mais confortável que a novela vai ser longa! ;-)

      Excluir
  8. Oba! Agora quero saber que surpresas ainda reservava 1977! Que emocionante história de leitura! Parabéns, Ana Maria (tomara que tenha mais 659 capítulos!).
    Beijo
    Susana Ventura

    ResponderExcluir
  9. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  10. Nem respirei, ótimo.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Bodleian Library

Jaculândia

Minha avó era blogueira?